A Mais Forte Roteiro por Paulo E. Miranda Adaptação da peça teatral escrita por August Strindberg (1849 – 1912) 7° Tratamento - Dezembro de 2005. CENA 1 – CAFÉ – INTERNA - DIA Uma casa de café, duas mesas de canto. Um sofá forrado de veludo vermelho e várias cadeiras. SENHORA M sentada no canto do café, à sua frente um café expresso com espuma e uma garrafa vazia de água mineral. Ela lê uma revista, que mais tarde troca por outras. SENHORA A entra, vestida com roupas de Primavera/Verão, carregando uma sacola de compras. SENHORA A aproxima-se da mesa de SENHORA M. SENHORA A Marina! Quanto tempo! Como vai? SENHORA A senta-se na mesa da SENHORA M, colocando as sacolas de compras ao lado, no chão. SENHORA M (Olha-a sobre a revista, cumprimentando-a com a cabeça e pára de ler). SENHORA A Está acompanhada? Não? Me faz mal ver você assim, sozinha, foi como no ano passado. CENA 2 – RESTAURANTE – INTERNA - NOITE SENHORA A (OFF) Quando vi um casal jovem, bonito, no restaurante: a namorada, sozinha, enquanto o namorado conversava com alguns amigos. Aí pensei: se naquele dia já é assim, o que os espera no futuro? NAMORADO, em pé, conversa com três amigos, à distância, enquanto a NAMORADA procura se distrair, lendo um cardápio, brincando com garfo. CENA 3 – CAFÉ – INTERNA - DIA Entra uma GARÇONETE com uma xícara de café e coloca-a em cima da mesa, em frente a SENHORA M. SENHORA A A comparação não foi das melhores, né? Lembra em como você sonhava em ter uma vida de dona-de-casa. CENA 4 – PALCO DE TEATRO – INTERNA – DIA SENHORA A (OFF) Querendo mesmo abandonar a sua carreira no teatro? Sabe, acho que teria sido melhor para você se tivesse se casado... SENHORA M anda sozinha em um palco de teatro, ensaiando um monólogo, ao fundo uma platéia vazia. CENA 5 – CAFÉ – INTERNA - DIA SENHORA A Não, acho que não entenderia isso. SENHORA M (Expressa desdém) SENHORA A (Prova algumas colheradas da espuma do café, abre a sacola de compras e tira alguns presentes de Natal) Deixe-me mostrar o que comprei para os meus filhos. (Mostra uma boneca) Olhe só que gracinha! É para a Valéria. Veja como fecha os olhos e vira a cabeça. Vê? E essa arma é para o Davi. (Aponta a arma para a SENHORA M – som de disparo oco e seco) SENHORA M (Se protege instintivamente) SENHORA A Se assustou? Não ficaria surpresa se essa arma fosse de verdade e você quisesse atirar em mim. SENHORA A (Tira um par de chinelos da sacola) Estes são para a minha cara-metade. Comprei-os dessa cor. Eu a detesto, sabe, mas o Jô tem que ter essa cor em tudo que é seu. SENHORA M (Olha sobre a revista, com curiosidade e ironia) SENHORA A (Colocando a mão dentro dos chinelos) Olhe que pés pequenos tem o Jô. Você já viu ele de chinelos? SENHORA M (Ri) SENHORA A Deixe-me te mostrar. (Faz com que os chinelos andem sobre a mesa, usando as mãos) CENA 6 – QUARTO – INTERNA – NOITE SENHORA A (OFF) Quando ele fica zangado, planta os pés assim e diz: “Essa empregada não consegue nem trocar uma lâmpada!” JÔ, sentado numa cama de casal, calça os pés nos chinelos, planta os pés no chão, olha para uma luminária e começa a falar sozinho, esbravejando. CENA 7 – QUARTO – INTERNA – NOITE SENHORA A (OFF) Se há uma corrente de ar pela casa e seus pés ficam frios: “Essa empregada idiota sempre deixa a janela aberta!” JÔ esfrega os chinelos entre si. CENA 8 –CAFÉ – INTERNA – DIA SENHORA A (Esfrega a sola de um pé de chinelo em cima do outro) SENHORA M (Continua a rir) SENHORA A E quando ele chega em casa? CENA 9 – CORREDOR DE UMA CASA – INTERNA – DIA SENHORA A (OFF) Procura os chinelos feito louco! A nossa empregada geralmente “esconde-os” debaixo da cômoda. JÔ andando em um corredor da casa, olhando de porta em porta, procurando por seus chinelos. CHINELOS debaixo de uma cômoda. CENA 10 – CAFÉ – INTERNA – DIA SENHORA A (rosto expressivo, fala para si mesma) Tirando sarro de meu próprio marido. (breve pausa introspectiva) Ele é um ótimo marido. Você deveria se casar com um homem como ele. SENHORA M (ri) SENHORA A O melhor de tudo é que ele me é fiel – disso tenho certeza. Ele mesmo me disse. SENHORA M (continua rindo) SENHORA A Por que esse risinho? Ele me contou que Nádia tentou paquerar ele enquanto eu estava viajando. (Silêncio) Eu acabaria com ela, se a Nádia chegasse perto dele, na minha presença. (Outro silêncio) Ainda bem que foi ele quem me contou. Seria desagradável ficar sabendo disso tudo através de outras pessoas. (Silêncio) Ela não foi a única. (Silêncio. SENHORA A e SENHORA M se entreolham, embaraçadas) É tão desagradável não sermos boas amigas. Será que é porque me meti na sua vida antes? (Fala devagar) ... Ou, sei lá... por que razão... não sei... (Silêncio) SENHORA M (Olha fixamente a SENHORA A, com curiosidade) SENHORA A (Pensativa) Foi tão estranho... Tive medo de você logo que a conheci. Não permitia que você se afastasse de mim, fosse onde fosse. Mas sempre que nos visitava acabávamos discutindo. Vi que o Jô não suportava a sua presença e isso me deixava envergonhada. Vocês não combinavam mesmo. CENA 11 – BATIZADO – INTERNA - DIA SENHORA A (OFF) Me lembro do batizado de meu filho, você era madrinha e eu tive que obrigar o Jô a beijar você. Não me ocorreu naquele momento, nem pensei... SENHORA A, JÔ, SENHORA M e PADRE, dentro de uma sala iluminada, fim de tarde. SENHORA A, carregando um bebê no colo, insiste, rindo, para que JÔ beije a SENHORA M. JÔ beija SENHORA M no rosto, um tanto constrangido. CENA 12 – CAFÉ – INTERNA – DIA SENHORA A Não me preocupei... Até agora... (Voz alteada e tensa, com raiva contida) Por que não diz nada? Até agora não pronunciou uma só palavra! Fiquei sentada aqui falando o tempo todo! SENHORA M (Intenção expressa no rosto para falar) SENHORA A (Levantando a palma da mão esquerda, interrompendo MARINA) Agora eu entendo. (Muda seus pertences para uma mesa vizinha) Por isso que tive comprar os chinelos daquela cor. Porque você gosta daquela cor. Por isso é que nós (Joga os chinelos no chão) tivemos que passar as férias na praia – e o Jô nem gosta de praia. Por isso tive que usar as cores de que você gosta, comer seus pratos favoritos, beber o que você gosta de beber, como café expresso, por exemplo. Tudo, tudo veio a mim de você, até mesmo suas paixões! Você não consegue amar ou odiar. Sobre o Jô, bom, não vou deixar que isso me aborreça... Não me prejudicou, realmente. (Pega a colher de café com displicência) E se me ensinou a me vestir tanto melhor meu marido acabou reparando mais em mim. Saí ganhando e você perdendo. Sua cor favorita e suas paixões não foram fortes o suficiente para que você mantivesse o amor de um homem. (Levanta-se e pega os chinelos do chão) Vou para casa, agora. Obrigada, Marina. F I M